História do Rock Baiano – Soma

História do Rock Baiano – Soma

No início dos anos 2000 surgia uma nova cena do rock baiano com diversas bandas que se apresentavam principalmente no Rio Vermelho, como Los Canos e Brinde. Nesse cenário surgiu a Soma, com seu “rock triste” influenciado por bandas como Radiohead, Muse e Jeff Buckley, só para citar alguns. Mas talvez essa definição seja “simplória” demais para definir a perplexidade do som do grupo, onde as letras misturavam doses de melancolia, timidez — refletida de certa forma pela voz e pelo jeito de cantar do vocalista, compositor e guitarrista Rafael Cavalcanti — e um quê de melancolia.

O nome Soma vem do livro Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley, que influenciou muita gente na música, especialmente o rock, como Pitty e seu disco de estreia “Admirável Chip Novo” de 2003 e o Iron Maiden, que lançou “Brave New World” em 2000. Apesar de se inspirar na droga homônima de mesmo nome, o trabalho da banda demonstrava uma clareza de intenções contrária ao embotamento gerado por tal aditivo químico

A Soma foi formada em 2001 por Rafael Cavalcanti e Josué Souza (Josh), que se conheceram na escola e se reencontram na faculdade, e junto com eles estava Julio, primo de Rafael, que inicialmente assumiu o baixo e depois virou guitarrista quando Rogério entrou na banda. Com essa formação do grupo chegou a se apresentar ao vivo no Café Cultura, no Rio Vermelho, mas pouco tempo depois entraram para o grupo Rogério Alvarenga (baixo e voz), que na época fazia parte também da Hares e da Arsene Lupin, e Edu Markez (bateria).

Com a banda formada por completo eles fizeram alguns shows por Salvador, como no saudoso Café Calypso, também localizado no Rio Vermelho. Pouco tempo depois Julio deixou a Soma e a banda seguiu como um quarteto, que virou a “formação clássica” do grupo. Tempos depois eles tentaram novamente o formato com 3 guitarras, mas o guitarrista Rodrigo (que conheceu o grupo através do BahiaRock) também ficou pouco tempo no grupo, pois resolveu dar prioridade a outros projetos musicais.


Trecho de um texto sobre uma apresentação da Soma realizada no dia 21 de Março de 2003 no Café Calypso, publicado no BahiaRock:

Soma tocando no Café Calypso com Julio

A primeira banda a tocar foi a Soma, que lançou há pouco tempo seu primeiro cd demo chamado “Tudo está bem, ok?”. A maioria das músicas tocadas foi desse cd e mais duas músicas novas. Algumas músicas com três guitarras e outras com apenas duas e músicas em inglês e português mostrando a versatilidade da banda. O guitarrista e vocalista Tio Rafa alternando entre cantar e tocar ou apenas cantar. O guitarrista Josh usando em algumas músicas um aparelho chamado e-bow, que segundo ele serve para sustentar o som da guitarra, para tirar de sua guitarra um som diferente. Teve também ajuda do violão na hora de tocar o cover da música Paranoid Android do Radiohead. Também rolou cover da música Uno da banda Muse.


Eles gravaram uma demo caseira feita por Rafael no computador de casa chamada “Tudo está bem, ok?” e lançada de maneira independente pela própria banda. O disco tinha 6 músicas: “250 bucks”, “Eu, o alien”, “Better”, “Rat Poison Stuff”, “Mentir” e “Lift me”. Pelos títulos dá pra perceber que nessa fase a Soma tinha composições tanto em inglês quanto em português, mas as músicas na língua estrangeira foram abandonadas em pouco tempo.

Em 2002 eles gravaram seu primeiro EP chamado “Eu, o Alien”, que foi lançado pelo selo BigBross Records. Ainda era uma gravação “amadora”, mas já deixava claro para os ouvintes um pouco da sonoridade da banda e suas influências musicais, marcando o fim da fase embrionária da banda.


Review de “Eu, o alien” publicado no BahiaRock:

A Soma começou bem sua carreira musical na cidade de Salvador. Com músicos competentes e empenhados em seu trabalho, esta é uma das bandas da cidade que se encontram em ascensão.

No ano de 2002, a banda gravou e lançou seu cd pela Big Bross Records. “Eu, o Alien” é o primeiro registro da Soma. O material consta de 4 músicas próprias intituladas “Eu, o alien”, “Mentir”, “Soma 01” e “Boa Noite”, sendo esta última acústica.

Com som um pouco depressivo (eu disse “um pouco”?!), esta é uma excelente pedida se você curte bandas como Radiohead e Oasis, pois a Soma tem grandes influências das mesmas. Ah claro, não podemos esquecer de Muse (que de acordo com os integrantes, é influência da influência). As letras falam “do medo de si mesmo e das pessoas em volta”.

Na gravação a formação era: Rafael (Tio Rafa) – voz, guitarra e violão, Josué (Josh) – guitarra, Rodrigo – guitarra, Rogério (Roger ex-Hares, também da Arsene Lupin) e Eduardo (Duda, também da Arsene Lupin) – bateria. A atual formação consta apenas com 2 guitarras, haja visto que Rodrigo saiu da banda.

Para terminar este review, vamos colocar uma citação da Soma: “Ninguém, nem mesmo você consegue ver as coisas como eu vejo, e é ruim não ser entendido, me passar por alguém que eu não sou…”. Para conhecer melhor o som da Soma, adquira o cd (vale a pena!).


Ouça “Eu, o Alien” de 2002:

A partir desse primeiro EP que a banda teve a oportunidade de crescer e amadurecer musicalmente se apresentando inclusive fora de Salvador, indo para o interior da Bahia no festival Outono Alternativo em Vitória da Conquista e também fora do estado entre 2002 e 2004. Eles tocaram nos festivais London Burning (Rio de Janeiro) e Goiânia New Underground (Goiânia), ambos em 2002, mesmo ano em que foram eleitos Banda Indie Revelação do 2° Indie Destaque, em votação promovida pelo selo carioca Midsummer Madness.

Em 2003 eles participaram da gravação do Rock Bahia Ao Vivo, um cd ao vivo que foi produzido e organizado pelo Estúdio Base, gravado no lendário Café Calypso. Curiosamente nesse dia quem tocou bateria não foi Edu, mas sim Jubaleo, baterista que fez parte de outras bandas do rock baiano. Neste mesmo ano eles lançaram também o EP “Soma+Danteinferno” , um split, isto é, um trabalho compartilhado com a banda uruguaia Danteinferno (lançado pelo selo Music Box).


Soma & danteinferno

1. SOMA_01
2. Warren Ellis (Partes 1 & 2)  
3. Eu, O Alien
4. Menester
5. Triptico
6. Remera

Lançamento: Setembro/2003

Com lançamento no Brasil e Uruguai, o CD split marca a parceria entre SOMA, o selo MusicBox e a banda uruguaia Danteinferno. O CD reúne 2 faixas retiradas do EP “Eu, O Alien” e o primeiro registro oficial de Warren Ellis, além das 3 faixas (“Menester”, “Triptico” e “Remera”) do EP homônimo da Danteinferno.


Ouça “Jules & Agnes” (Rock Bahia Ao Vivo – gravado no Café Calypso em 2003 pelo Estúdio Base), que inclusive nunca chegou a ter uma versão de estúdio

Essa música depois foi (re)gravada pela banda Starla e na versão deles se transformou em “Julia & Flávia”, lançada no disco “Euforia” de 2009.

Em 2005 eles lançaram o disco “Dramorama”, gravado no Estúdio Base, e nesse trabalho a banda conseguiu transmitir de forma quase fidedigna o som deles ao vivo para o formato de cd. Nesse álbum ficou claro as intenções musicais da Soma e em apenas 5 canções eles mostraram o retrato mais fiel da sua sonoridade.

O disco foi produzido e gravado de forma totalmente independente entre novembro de 2004 e janeiro de 2005, contou com Glauco Neves como técnico de gravação e Beto Neves ficou responsável pela mixagem e masterização.

Ouça “Dramorama” de 2005:


Texto sobre as canções de Dramorama escrito por Rodrigo Barreto:

1. Coma

Um bom exemplo de como uma canção pode se transformar com a intervenção de toda a banda: Coma nasceu super-melancólica e acabou ganhando uma sutil levada reggae (crédito de Duda e Roger) e um marcado contraste entre versos e refrãos. Trata-se da música do EP Dramorama com maior diversidade de elementos: guitarras criando atmosfera, guitarras nervosas, baixo marcado, baixo pesado e um trabalho de bateria variado. Tudo isso para falar de um personagem perdido procurando por uma saída fácil.

2. Meu Dilema

Meu Dilema não era para ser tão rock. A princípio, a melodia vocal seria inspirada livremente no estilo do cantor Andrew Bird. A letra da canção, no entanto, solicitou mais intensidade e o resultado final se tornou inevitável. A estrutura da música foge um pouco à fórmula tradicional “verso-refrão”, mas continua sendo bastante pop . Meu Dilema fala sobre os sentimentos de uma pessoa tímida, embora alguém com essa característica provavelmente não costume gritar – pelo menos, não em público – como se ouve no fim desta canção.

3 . Conversas & Rock’n’Roll

Conversas & Rock’n’Roll é talvez a música de estrutura mais linear do EP e pode-se dizer, portanto, a mais pop . O arranjo procura sublinhar um clima urbano, algo também pretendido pela linha vocal. A letra aborda a impessoalidade cotidiana dos relacionamentos.

4 . Novo ou Velho

Letras diretas (vide o refrão “ ainda não sei o que fazer ”) e arranjo idem nesta que é a canção de pegada mais rock’n’roll de todo o EP. O guitarrista-solo da Soma, Josh, costuma se divertir com o final da música, porque “ ele é todo instrumental, mas não tem absolutamente ninguém solando ”.

5. Dramorama

A canção que dá nome ao EP resume o disco inteiro, mas traz algo mais. A bateria soa como um rock dançante dos anos 1980 e a música culmina em um final mais solto e relaxado: até o ouvinte mais retraído pode ficar estimulado a dar uns saltinhos pra lá e pra cá. O coro final – há controvérsias se foi alcançado um resultado ao estilo de Michael Jackson ou mais próximo de Pink Floyd – é o mais inesperado elemento de todo EP, estando a serviço das palavras de ordem aqui: independência e liberdade.


Em 2005 a Soma fez o seu projeto mais ambicioso, gravaram em vídeo uma apresentação da banda tocando o disco “Dramorama” na íntegra, além de outras músicas próprias e alguns covers. O show foi filmado por Renato Gaiarsa, Luna, Pedro Perazzo e Matheus Pereira da Rocha no Teatro do Irdeb, palco de gravações para o canal baiano TVE.

O teatro se mostrou o ambiente perfeito para se assistir a banda ao vivo, onde o público sentado conseguia prestar atenção e captar toda a emoção da apresentação, com uma atmosfera um pouco intimista.

Soma – “Dramorama” Ao Vivo no Teatro do Irdeb (2005):

Em 2006, no dia 1º de Abril, a banda fez a sua última apresentação ao vivo e escolheram mais uma vez um teatro para marcar essa despedida dos palcos. O local escolhido foi o Teatro Gamboa, localizado no Pelourinho, e o público pode ver e ouvir pela última vez a Soma tocando.


Confiram texto sobre esse último show, publicado no BahiaRock:

Soma no Teatro Gamboa

A Soma volta ao teatro Gamboa, local de um dos primeiros shows da banda, dessa vez para se despedir dos palcos baianos. Primeiro o baterista Eduardo Márquez mudou-se para a Alemanha. Agora é a vez de Rafael (voz e guitarra) e Josh (guitarra) irem para São Paulo. Antes disso, eles dois junto com o baixista Roger resolveram fazer uma última apresentação. O show seria diferente dos outros, sem bateria, com Rafael tocando violão, num clima mais intimista e com mais proximidade ao público.

Na semana do show eles descobrem que Eduardo estava de volta na cidade e estava disposto a participar do evento. Então eles fazem apenas um ensaio, mas resolvem manter o clima proposto anteriormente mesmo com a presença da bateria.

O Gamboa foi uma escolha bastante acertada para acomodar a apresentação. Um local pequeno e aconchegante, perfeito para criar o clima que a banda queria. O repertório contou com releituras de canções da banda e também de alguns dos artistas que influenciaram em seu trabalho.

Passavam das oito da noite, horário marcado para o início do show, e o público ainda continuava chegando ao local. Então o inicio da apresentação foi retardado para que todos pudessem chegar e se acomodar devidamente. Casa cheia, era hora de começar o espetáculo.

A banda já tem bastante experiência em tocar em locais como teatros, que não são tão comuns para shows de rock. As cortinas se levantam e a banda está a postos, cada um de seus integrantes sentados em seus respectivos bancos prontos para tocar.

O vocalista e guitarrista Rafael estava mais falante do que nunca. Com bastante bom humor se comunicou com o público nos intervalos entre as músicas. Entre outras coisas, falou sobre a escolha do repertório do show, sobre o “dilema” (referência ao nome de uma das músicas da banda chamada “Meu Dilema”) de escolher as músicas, e claro, algumas piadas como esse trocadilho com o nome da música.

A releitura das músicas foi bastante interessante e se adaptou muito bem ao clima intimista proposto para a apresentação. Foi possível apreciar as músicas de uma outra maneira, com uma nova melodia sem muitas das distorções de guitarra (principalmente de Josh) e do peso da bateria de Eduardo (que tocou com uma pegada muito mais leve que a habitual).

Estiveram presentes músicas do último lançamento deles, o ep Dramorama (lançado no ano passado), como “Conversas & rock´n roll”, “Meu Dilema” (citada acima) e a própria “Dramorama”. Não podiam faltar também músicas mais antigas como “Eu, o alien”. Ainda tiveram espaço músicas novas, ainda sem gravações oficiais, como “Super homem” e “Hasta la Vista” (que deu nome ao show).

A parte especial do show foram os covers de artistas que influenciaram a banda. Alguém pensou em Radiohead? É claro que músicas deles estiveram presentes. “Knives Out” com Roger nos vocais e também “Airbag”. Como Rafael explicou no show, cada membro da banda escolheu uma música para tocar, mesmo que o resto da banda não gostasse. Uma de suas escolhas foi “Wonderwall” do Oasis, que ficou muito bonita inclusive nessa releitura. Uma outra parte interessante foi Rafael tocar sozinho com voz e violão uma versão de “The River” de Tim Buckley (segundo ele comentou depois do show na comunidade da banda no Orkut, ele vem apaixonado por Tim já faz um bom tempo e só decidiu tocar a música no dia do show).

O resultado final foi uma apresentação memorável, muito bonita, cheia de emoções e que vai ficar na memória dos que estiveram presentes por um bom tempo. Vamos aguardar sobre o futuro da banda. O BahiaRock deseja boa sorte a eles e com certeza a banda vai fazer muita falta por aqui.


Rafael e Josh se mudaram para São Paulo pouco tempo depois e por lá ainda chegaram a montar um novo projeto musical chamado Margot, que inclusive lançou um EP, mas infelizmente apesar de ter chegado a se apresentar ao vivo, não durou muito tempo, terminando por volta de 2008/2009.

Margot

Atualmente apenas Rafael ainda trabalha com música, ele virou compositor de trilha sonora de filmes, trabalhando principalmente com sua esposa, a diretora Gabriela Almeida, em filmes “Animal Cordial” e “A Sombra do Pai”.

Esse texto teve como fonte o release da banda escrito por Rodrigo Barreto, escrito em 2005 na época do lançamento de “Dramorama”, que na época trabalhava para a Claque – Serviços em Comunicação, e contou com a colaboração do guitarrista Josh, além das memórias desse que vos escreve.

Ramon Prates

Ramon Prates

Editor-Chefe e Web Master. Apaixonado por música, especialmente rock, e também por escrever, logo juntando as duas coisas resolvi dar minha contribuição para o rock baiano através do BahiaRock.

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