História Do Rock Baiano – Shadows

História Do Rock Baiano – Shadows

A década de 1990 do século XX foi uma das mais profícuas quando se fala do surgimento de novas bandas na cena do heavy metal na Bahia. Foi exatamente na primeira metade daquela década que surgiu para a cena metálica da capital baiana um dos mais talentosos grupos e talvez o que tenha formado o público mais fiel e fanático durante os anos noventa. Se trata simplesmente da banda SHADOWS, que desfilava um power metal forte e altamente empolgante, com letras inspiradas em temas históricos e míticos e uma musicalidade influenciada por bandas como King Diamond, Mercyful Fate, Running Wild, Grave Digger e Blind Guardian, com riffs bem “palhetados” e rufos de bumbos enfurecidos.

Tudo começou em 1994, quando um grupo de amigos que morava nos bairros do Cabula e Pernambués se uniu para fazer um som, criar composições misturando heavy metal com toques eruditos e falar de modo sombrio sobre temas épicos e cavalheirescos. Com imensas dificuldades financeiras, equipamentos e instrumentos toscos, a banda começou a fazer alguns ensaios em um estúdio caseiro no Caminho das Árvores, casa do amigo Cláudio Doreto, onde gravaram seu primeiro registro em fita K7 na cara e na coragem.

Unindo os habilidosos e criativos guitarristas Dennis Leoni e Jason Bittencourt, a cozinha afiadíssima do baterista Luís Mello (Louis Bear) e do baixista Ricardo Iglesias, além do carismático vocalista Leonardo Leão, a SHADOWS gravou em 1995, no mesmo estúdio no qual ensaiava, a aclamada demo tape “Empire of Darkness”. Contando com as canções “Lost in Darkness”, “Master of Shadows”, “Lord Of All Sins”, “Eternal Void”, “Lady of the Lake” e “Black Flag”, a fita K7 apresentava uma boa produção para a época, tanto do ponto de vista da capa e encarte quanto da parte de gravação e mixagem, apesar de todas as dificuldades técnicas em termos de equipamentos.

O impacto desse lançamento foi imenso, inclusive em revistas e fanzines Brasil afora. A banda passou a fazer shows com muita regularidade, sempre lotados, e a frequentar o line up dos grandes festivais que ocorriam na Bahia, como o Garage Rock e o Palco do Rock no carnaval de Salvador, onde foi eleita banda revelação em sua primeira apresentação e já na segunda foi escolhida a preferida do público. Nesse período a SHADOWS fez outras apresentações importantes, como ao lado da banda brasiliense Dark Avenger num evento memorável no famoso bar Canoa, no Hotel Pestana. Também chegou a fazer shows em outros estados, como em Sergipe e Minas Gerais, este último num festival na cidade de Itaúna.

Mesmo com o rápido sucesso e o reconhecimento do público, no início a SHADOWS passou por grandes dificuldades, não só pela falta de recursos financeiros e equipamentos (os músicos não tinham sequer um amplificador), mas também com as condições de realização de shows. Em um deles, num bar do centro histórico do Pelourinho, a banda se recusou a tocar porque o local onde iria ser realizado o evento ficava praticamente na beira de um precipício e o palco, além de mambembe, era montado sobre estacas de madeira. Segundo o baterista Louis, a bateria era tão ruim que ele não acreditava que ela resistiria sequer à primeira música.

Apesar das dificuldades, outros shows da SHADOWS no período foram extremamente marcantes, como o primeiro show no bar Idearium, no bairro do Rio Vermelho, que a partir daquele momento passaria a ser um dos principais espaços dedicados ao rock e heavy metal em Salvador nos anos seguintes. Como esse foi o primeiro show naquele local e a banda não sabia como iria funcionar, preparam um imenso repertório de covers além das músicas próprias, de forma que este foi o show mais longo da banda, durando aproximadamente três horas, com direito a um intervalo para descanso. Outro momento marcante e muito lembrado pelos membros foi o primeiro show oficial da banda, no porão de um bar no bairro de Brotas, pela grande energia que receberam do público e pelo clima literalmente underground.

Logo em seguida ao lançamento da bem sucedida demo tape, a SHADOWS lançou músicas novas em duas importantes coletâneas de rock e heavy metal da época. Em 1996 a excelente música “The Scourge” fez parte do CD Bahia Rock Collection, lançado pela WR Records e produzido por Wesley Rangel, que contou ainda com a participação de nomes importantes do cenário baiano, como Yonsen Maia, Dois Sapos e Meio e Blackness.

Já em 1997 a SHADOWS participou com a música “The Story of a Hero” do CD coletânea “Doisdabahia”, produzido por Rui Mascarenhas e André Lemos, lançado pela Colé Tânia Records, uma parceria da Uivo Studio de Comunicação com a Jan Skates. Dessa coletânea também participaram outras grandes bandas de metal que estavam começando a despontar, como Malefactor, Veuliah, Mercy Killing e Síncope.

No final de 1997 a SHADOWS abriu o show de Paul Dianno, ex-vocalista do Iron Maiden. Nessa apresentação inesquecível, que tem registro em vídeo no YouTube, a banda tocou novas canções que se tornaram hinos dos fãs, como Colors of Bifrost e Lady Light.

Em 1999, após a saída de Dennis Leoni (um dos principais compositores da banda) para seguir carreira na música erudita e a entrada do guitarrista Patrick Amorim, o grupo decide encerrar suas atividades com o nome SHADOWS. A mudança foi anunciada em grande estilo, no dia 28 de julho daquele ano, no meio do show no 8º Garage Rock Festival, realizado na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, com o hasteamento de um pano de fundo com o novo logotipo.

O anúncio feito pelo vocalista Leonardo Leão pegou o público de surpresa e causou certa perplexidade. Alguns amigos dos membros que já sabiam da mudança contam que, após o anúncio de que aquele seria o último show da SHADOWS, muita gente da plateia começou a lamentar, perguntando por que a banda iria acabar se era tão boa. Quando chegou ao final do show, a galera enlouquecida e aliviada após terem entendido o que realmente estava acontecendo, já gritava aos berros o novo nome da banda.

A mudança teria sido necessária porque já existia outra banda brasileira registrada com o nome SHADOWS, podendo gerar problemas jurídicos no futuro, em especial questões contratuais com gravadoras. A banda então foi rebatizada com o nome Drearylands, que lançou seu debut álbum logo no ano seguinte (2000) pela Mandrahgora Productions, em parceria com a recém-criada Maniac Records.

Esse primeiro disco de estúdio, intitulado “Some Dreary Songs… and other tunes from the shadows”, trouxe ainda quatro canções antigas da SHADOWS, já conhecidas do público nas apresentações ao vivo: Lady Light, Sailors of Argo, Colors of Bifrost e Story of a Hero. As novas composições, contudo, apresentavam uma linha musical mais densa e melódica, chegando a flertar o doom metal, em especial nos climas e temáticas melancólicas das canções. Esse direcionamento diferente marcou um novo momento da banda, de afastamento das suas origens power metal e de um verdadeiro renascimento conceitual. Segundo Jason Bittencourt, que passou ser o principal compositor da parte instrumental após a saída de Dennis, a primeira canção composta após a mudança foi “Learn to fly”, a qual considera muito significativa desse recomeço.

Algum tempo depois do lançamento do disco, Jason também saiu da banda para seguir carreira na música erudita. Em seguida Patrick e Ricardo também deixaram o grupo, mas a Drearylands seguiu carreira gravando bons discos e angariando cada vez mais fãs, agora contando com os guitarristas Páris Menescal e Rafael Syade e com o baixista Marcos Cazé. Com esse trio de cordas gravam o segundo disco em 2003, chamado “Heliopolis”. A banda permanece na ativa até hoje, sendo ainda uma das principais do metal brasileiro.

Os headbangers mais antigos, que viveram a cena do heavy metal baiano na década de 1990, não deixam de lembrar toda a euforia causada pelo surgimento da antiga SHADOWS, com seus shows cheios de energia, composições velozes e refrões grudentos, típicos do estilo power metal, que até hoje não se apagam da memória.

Links:

Show em 1997 – Abertura para Paul Dianno:

Músicas da demo tape “Empire of Darkness”:

Lost in Darkness:

Master of Shadows:

Lord of All Sins:

Eternal Void:

Lady of The Lake:

Black Flag:

Grigorio Rocha

Grigorio Rocha

Professor de Sociologia, poeta e artista plástico.

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