Cobertura de Evento – Hermes e Renato – Uma Tentativa de Show
Por Danilo Araujo e Rogério Pinheiro
O grupo de humor Hermes e Renato surgiu há pouco mais de 20 anos, fazendo pequenas participações na antiga MTV Brasil, através de esquetes humorísticas com um estilo bastante peculiar: um besteirol tosco, com humor escrachado, quase todo improvisado e sem preocupação alguma de ser politicamente correto. Numa época que os programas de humor da TV brasileira já não tinham mais tanta graça (justamente por se preocuparem em ser politicamente corretos), Hermes e Renato foi um enorme alento para o público carente deste tipo de humor, que cresceram assistindo a “Os Trapalhões” e “TV Pirata”. No início, os esquetes eram protagonizados pelos personagens Hermes (Marco Antônio Alves) e Renato (Fausto Fanti), e contavam com um elenco de apoio formado por Felipe Torres, Bruno Sutter e Adriano Pereira. Posteriormente, os esquetes evoluíram para um programa fixo na grade da MTV Brasil e os demais membros do grupo também passaram a protagonizar situações engraçadas através de personagens icônicos como Joselito (Adriano Pereira), Boça (Felipe Torres) e Padre Quemedo (Bruno Sutter). Um novo membro também passou a fazer parte do grupo: Gil Brother Away de Petrópolis, que interpretava a si mesmo e protagonizava o personagem Professor Gilmar na série Hermes e Renato.
Durante esta longeva carreira, o grupo passou por algumas reviravoltas: deixaram a MTV Brasil; fizeram parte do programa Legendários, da TV Record; membros importantes como Bruno Sutter e Gil Brother Away saíram do grupo; deixaram a TV Record; e retornaram para MTV Brasil. Porém, nenhum desses acontecimentos é comparável à tristeza que foi o falecimento de Fausto Fanti, um dos principais membros e mentor intelectual do grupo, justamente quando eles se preparavam para novos desafios, como um programa fixo na grade do canal fechado FX e foco na produção de conteúdo para a Internet. Como forma de continuar o legado de Fausto, o Hermes e Renato prosseguiu, com Franco Fanti (irmão de Fausto) como novo membro e com o retorno de Bruno Sutter ao elenco. Gil Brother Away, que havia se desentendido com o grupo durante a transição para a TV Record, também voltou a fazer algumas participações especiais.
Outro projeto que o grupo decidiu iniciar foi o de uma peça teatral intitulada “Uma Tentativa de Show”, que foi apresentada pela primeira vez no festival Risadaria em São Paulo, em 2016, com bilheteria esgotada. No dia 31 de janeiro de 2020, o Hermes e Renato finalmente fez sua primeira apresentação em Salvador com esta mesma peça teatral, prestigiando o público da terrinha que os inspirou a criarem paródias engraçadíssimas de grupos baianos de Axé e Pagode (Coração Melão e Axêgo, respectivamente).
A direção da peça fica a cargo de Mário Matias, que também atua em alguns momentos com o restante do elenco. A apresentação é estruturada através de atos e, entre um ato e outro, são exibidos esquetes em vídeo, que parodiam propaganda de banco (Banco Te Amo), fábrica de brinquedos (Pentagrama Toys e sua coleção de bonecos envolvendo o Goleiro Bruno, seus amigos e um cachorro), refrigerantes (Guaraná Polly), dentre outros ícones famosos da realidade brasileira.
A parte mais divertida da apresentação são os atos, que no teatro adotam uma linguagem e um formato mais pesados do que o que estamos acostumados a ver na TV. Este talvez seja o maior trunfo da peça, pois dificilmente veríamos um ato como a “Oficina de Teatro Bacanal” passando até mesmo na TV fechada. Os atos trazem shows de Humor de Improviso (trazido por Mário Matias diretamente da escola russa de improviso, a Improsinikov), onde os atores interpretam eles mesmos em situações de improviso sugeridas pela plateia, com direito a piroca de borracha no cu e gritaria.
Os demais atos são compostos por apresentações envolvendo os principais personagens criados pelo grupo, como o Padre Quemedo (Bruno Sutter) tentando desmascarar o Filho do Capeta (Franco Fanti), numa releitura de um esquete já visto na TV, só que um pouco mais pesado e com um final inesperado para o Padre Quemedo e o Filho do Capeta.
No ato seguinte, vemos duas pessoas sentadas num trem. Uma delas (Franco Fanti) quer apenas dormir durante a viagem, enquanto a outra (Marco Antônio Alves) é aquele tipo de passageiro bastante inconveniente que sempre aparece no transporte público, seja ouvindo som alto sem fone de ouvido ou falando no celular com viva-voz. Somente uma terceira pessoa resolve de forma categórica esta situação para a catarse do público: Joselito (Adriano Pereira). Ah, como seria bom se toda pessoa sem-noção no transporte público sofresse nas mãos de Joselito, o sujeito mais sem-noção da face da Terra.
No ato posterior, a plateia é apresentada a O Sonho de Charlinho (Felipe Torres), onde o apresentador (Franco Fanti) mostra a Via Crucis deste menino cuja família vive na fronteira entre o Amazonas e a Colômbia e que tem o sonho de estudar numa escola. Conhecemos os pais de Charlinho (onde Felipe Torres também interpreta o pai de Charlinho e Bruno Sutter interpreta a mãe), que colocaram (e continuam colocando) incontáveis filhos no mundo. Charlinho, coitado, anda descalço por mais de 6 mil quilômetros para ir até a escola, enfrentando diversas dificuldades, porém nenhuma maior do que a dificuldade que ele encontra no final frustrante de sua jornada. Pelo menos, para caminhar os 6 mil quilômetros de volta para casa, Charlinho poderá calçar as Havaianas de Gandhi que recebeu de presente do apresentador.
Eis que é chegado aquele que talvez seja o momento mais apoteótico de toda apresentação: AWAY NEWS. O público aplaudiu intensamente a entrada de Away no palco. Neste ato, um apresentador de jornal (Bruno Sutter) lê as manchetes dos principais acontecimentos da atualidade para que Away opine sobre: Crossfit (“coisa de gente bunduda”), Conflito EUA x Irã (“o Aiatolá tá atolando o pau no cu do Trump”) e Coronavirus (“Corollavirus” que, de acordo com Away, “é causado pela fumaça do carro Corolla”). A participação de Away é curta, porém, além de engraçada, é gratificante ver Away junto novamente do grupo que o revelou.
O ato seguinte é a já citada “Oficina de Teatro Bacanal”. Só mesmo Hermes e Renato para representar de forma, ao mesmo tempo escatológica e engraçada, um grupo de teatro cujos atores entram no palco com suas partes íntimas bastante avantajadas de fora, e que realiza bacanais tomando vinho. Em determinado momento, um ilustre “membro da plateia” é “convidado” atuar com eles no palco: Boça (Felipe Torres). Como sempre, Boça se dá mal no final, apesar de sempre achar que está se dando bem, né meu?
O último ato da apresentação é outro Humor de Improviso, onde o grupo espertamente utiliza referências locais de Salvador nas piadas. Quem ousaria mexer com aqueles que se dizem amigos da poderosa família baiana Magalhães?
No final, o grupo canta o samba-enredo da Escola de Samba Unidos do Caralho a Quatro (“A minha rola é instrumento de trabalho / Quem gostou, gostou / Quem não gostou vai pro caralho”) e, como não poderia faltar na apresentação em “Salvadô”, cantam a música “Pira, Pirá, Pirô”, da banda Coração Melão e sem sombra de dúvida a melhor paródia já feita da Axé Music produzida na Bahia.
Durante os agradecimentos à plateia, Fausto Fanti é homenageado. Onde quer que esteja, Fausto deve estar orgulhoso que o seu legado venha sendo seguido à risca pelos membros remanescentes do Hermes e Renato. Torcemos para que este legado continue firme e o grupo continue fazendo o que sabe fazer melhor: humor escrachado, politicamente incorreto e que sempre tem proporcionado ótimas risadas tanto para o público que os acompanha desde o final dos anos 90 quanto para as novas gerações que conheceram Hermes e Renato mais recentemente.