[Memorabilia BahiaRock] Entrevista com Pitty (Set/2003)

[Memorabilia BahiaRock] Entrevista com Pitty (Set/2003)

Bem vindo ao Memorabilia BahiaRock! O objetivo dessa seção é relembrar o passado do site. Para começar escolhemos uma entrevista com Pitty – a maior artista do rock baiano da atualidade – feita nos primórdios da sua carreira solo em 2003.

Entrevista realizada no dia 9 de Setembro de 2003
Por Ramon Prates e Maurício Requião

Aproveitando a passagem de Pitty por Salvador, aproveitamos para marcar essa conversa. Acabamos marcando no Calypso numa Terça, aproveitando o show da banda Lisergia. Na nossa conversa, falamos sobre voltar a tocar em Salvador, mídia, VMB, produção do disco, entre outras coisas. Confiram abaixo:

Como foi voltar a tocar em Salvador? Público novo, muitos jovens.

Pitty: Eu tava na pilha já tinha muito tempo. Minha casa, o lugar onde eu comecei a fazer som, onde as pessoas viram a gente começar a tocar. O público, alguns diferentes e outros não. É engraçado, pois eu via na galera uns rostos conhecidos. Conhecidos até da época do Novo Tempo, do Casablanca. Massa. Outras novas que se duvidar nem sabem que existe uma cena bacana de bandas em Salvador. Eu acho bom. A gente tem que aproveitar e usar isso de maneira meio didática. Mostrar para essa galera que está chegando agora que existe uma cena bacana em Salvador. E isso não é de hoje. Não é porque a gente está tendo um espaço na Mtv que significa que somos os únicos. Não existe isso. Eu sempre faço questão de deixar isso bastante claro.

Pelo fato de você ter espaço na mídia, você fez parte da cena local independente, você sente uma responsabilidade em também dar espaço a outras bandas independentes?

Pitty: Acho que responsabilidade não seria a palavra correta. Eu acho bacana estar sempre citando essas coisas, pois são os meus referenciais, é a minha história, a minha raiz, de onde eu vim. Eu gosto de botar isso na roda para as pessoas se situarem um pouco, como é que as coisas aconteceram na vida da gente e o que mais existe em volta disso.

Foi o que aconteceu no VMB (que Pitty começou a citar o nome de várias bandas daqui no início da sua apresentação)…

Pitty: Ali baixou uma pomba gira. Foi foda. Ninguém tava esperando nada. No meio da pausa eu pensei: o que vou fazer agora? Comecei a lembrar das bandas. Queria tanto que a galera estivesse aqui comigo. Saí falando quem eu lembrei. Os que eu esqueci foram por falta de neurônio e não por falta de amor. Foi tudo muito rápido.

Como foi a saída e volta de Peu a banda?

Pitty: Foi mais simples do que parece. Na verdade, Peu gravou o disco. Só que a gente não sabia bem o que ia fazer, se ia ficar no Rio, ia ficar em São Paulo ou se ia ficar aqui. Foi um período de muita instabilidade. Todo mundo sem grana, sem ter como ficar lá fora. Peu tem família aqui, tem mulher e filha. A gente decidiu ir para o Rio, ia ser bacana morar lá um tempo. Um esquema completamente “underground”, todo mundo enfiado dentro do mesmo apartamentinho. Sem grana, sem ter de onde tirar ainda. E Peu já tinha uns trampos aqui. Ele toca com Galvão, que é pai dele. Ele ganha uma certa graninha que dá para se virar. Ele não podia trocar isso por essa história de simplesmente largar tudo e ir para lá. Não cabia para ele naquele momento. A gente resolveu ir e tocamos com Luciano, que é um cara muito gente fina. Ele tem tudo a ver com a gente, ouve as mesmas paradas. Rolou uma identificação brutal com ele. Só que depois a gente veio passar um tempo aqui, na época do show do Los Hermanos. A gente tinha alugado um apartamento lá por um mês, o contrato acabou e a gente veio para cá. Ficamos sem grana, voltamos para casa. O bicho pega, a gente volta para casa do pai e da mãe. Depois a gente resolveu que tava na pilha de ir para São Paulo. Lá ele tem onde ficar, não precisa pagar aluguel. Aluguel é o mais foda de tudo. Luciano já era outra parada, ele tem apartamento no Rio. Ele não podia largar o apartamento. Então Peu volta para a banda. As coisas não têm muito “drama”. O universo conspira a favor e vai rolando. Tanto que nesse último show que a gente fez no Ballroom, no Rio, Luciano tava lá e a gente acabou fazendo o show com 2 guitarras. Luciano de um lado e Peu do outro. Sempre que Luciano quiser tocar, a banda é dele também. Isso é uma família que não tem muita burocracia. É bem simples mesmo.

E como foi no VMB, você ficou muito decepcionada por não ter ganho o prêmio (de artista revelação) mas também ficou emocionada em ter tocado?

Pitty: Não fiquei decepcionada não, pelo contrário. Achei até ótimo não ter ganhado. Cada coisa tem sua hora. Um dos momentos que mais me emocionou no VMB, pois foi uma coisa que eu não esperava, foi na hora que a Didi foi entregar o prêmio e a galera ficou embaixo gritando: “Pitty, Pitty”. Eu fiquei de cara. Tem gente que gosta dessa porra mesmo. Eu sempre achei que Detonautas ia ganhar por ter mais estrada, a política de trabalho deles é diferente. Eles não têm restrição, fazem todos os programas de tv, qualquer um que seja. Eles atingem a um público maior por causa dessa postura, que não é a nossa. A gente não faz playback, a gente não vai a programa merda, a gente não aceita aparecer em programa que não concordamos com a ética e conduta. Enfim, a gente tem alguns caminhos que escolhemos e sabemos que vamos atingir menos pessoas por causa disso, mas é uma responsabilidade nossa. Eu prefiro assim. Detonautas tocou no Criança Esperança. Tanto assim que eles ganharam a parada. Eu achei que foi merecido. Eles estão aí há mais tempo. O nosso prêmio foi ter tocado. Colocamos o amplificador “no talo”. Foi o som mais alto da noite. Quem tava na platéia falou para gente depois que tínhamos tocado alto demais. Foi o único show pesado e alto da noite.

Por falar em mídia, no show aqui em Salvador uma boa parte do público sabia pelo menos metade das músicas.

Pitty: Eu fiquei de cara com isso. A indústria está em um momento muito foda. Ninguém compra mais disco, 25, 18, 30 reais. Mas na São Rock é mais barato. Eu sempre indico. Bom, eram pessoas que tinham o disco. Legal isso.

Como estão os shows pelo Brasil?

Pitty: A gente até agora só não foi mais para o Sul. Curitiba, Paraná, ainda não chegamos lá. Semana que vem já tem show marcado em Curitiba. O Sul é foda. Todo mundo fala que o Sul é foda. Os caras do Cachorro Grande falam que é Seatle. Tem um cena, tem público pra caralho. Qualquer cidadezinha você faz show para 800 pessoas. Estamos bem ansiosos em ir para lá. Mas já fomos em BH, Espírito Santo, Brasília, Recife, Natal. Estão pintando shows em lugares estranhos: Tocantins, Macapá, Roraima. Todos os lugares foram legais. Eu confesso que ainda estamos tocando num esquema muito “underground”. Não é diferente de nada que a gente conheça. No dia anterior ao show aqui, nós tocamos num lugar chamado Barra do Jucu, no Espírito Santo que era tipo o Holyrock (para quem não lembra, foi onde o rolou o Garage Rock de 97). Um maluco mordeu a minha perna, to com uma mancha roxa. O palco era no chão. O cara veio e mordeu minha batata. Eu dei uma bicuda no cara, mas já estava feito.

O assédio no show aqui também foi grande, até um anão abraçou sua perna.

Pitty: Eu acho isso meio bobo. Tudo bem, eu entendo que as pessoas admirem o seu trabalho, mas essa parte eu não estimulo não. Eu quero ter minha vida, andar por onde quiser. Não sou estrela, não sou artista, sou apenas uma pessoa que faz música. Você curte meu trabalho, compre meu disco e vá no show.

Você até falou em uma entrevista que no Rio e SP que tem essa história de artista, dar autógrafo.

Pitty: Eu acho meio ridículo. Mas eu também respeito se a pessoa me pede. Antigamente eu questionava: “Para que você quer isso, meu nome no papel?”. Hoje em dia eu aprendi a respeitar. Se a pessoa quer aquilo, é porque de alguma maneira é importante para ela. Eu não entendo, mas respeito.

Fale um pouco sobre sua gravadora, a Deck Discos.

Pitty: A Deck é uma salinha do tamanho do Calypso com 10 pessoas dentro que fazem muito barulho. Luciana (Cruz) ocupa 4 funções ao mesmo tempo. É uma gravadora pequena, não tem um nome no mercado. O que eles tem de bom: contatos. Rafael já trabalhou na Mtv, o pai dele já trabalhou na Abril e em outras gravadoras. Ou seja, conhecem uma galera. Os caras não tem “cash” para bancar jabá, mas eles têm contato. Enfim, eles tem o jeito deles e conseguem fazer barulho. Isso é muito bacana. Na época do Inkoma a gente distribuía, divulgava, tocava, depois limpava o chão, vendia o cd e ia embora. Não dá para fazer tudo. Se você tiver o apoio de um selo ou gravadora, pequena ou independente, enfim, que te dê atenção que seu trabalho merece. É fundamental para qualquer coisa acontecer. Não adianta ter contrato com uma “major”, ter grana e te colocarem na geladeira. Ficam te enrolando. Só vai se for assim. Lá na Deck não tem isso. Eu faço o que eu quero. Meu primeiro papo com o diretor da gravadora, que é pai de Rafael e é meu amigo foi: “Pó João, eu quero ter uma gravadora, mas quero fazer o que eu quiser”. Ele falou: “Eu confio no seu trabalho. O artista é você. Você sabe o que faz da sua carreira. Eu sou executivo, estou aqui para agilizar as coisas“. É por isso que funciona.

Como foi o trabalho de produção do cd com Rafael? Você primeiro gravou algumas coisas aqui em Salvador?

Pitty: Cheguei a gravar algumas coisas aqui no Madeira (estúdio) de Duda. Como eu fiz as músicas para voz e violão, depois tive que adaptar para uma banda. Pensar em arranjos, como iam ser as guitarras. Os meninos me ajudaram pra caramba, Peu e Duda principalmente. Até porque eu não sou instrumentista, então tinham músicas que não eu não consegui cantar e tocar direito. Eles precisaram me ajudar nisso, eles foram foda. Então gravamos algumas coisas aqui. Então já tínhamos idéia de como seria.

Você mandou o material para Rafael, que gostou e chamou você.

Pitty: Isso. Primeiro de tudo eu mandei uma voz e violão. Gravei em meu quarto com um gravador igual a esse. Mandei para ele e ele achou foda. Massa, vamos fazer. Então eu fui passar as músicas para a banda. Depois gravei uma outra parada já com a banda. Mandei para ele. Então fomos ajeitando, lapidando, quando chegamos lá já sabíamos o que queríamos. Mas muita coisa foi criada no estúdio também. Alma de cientista. “Apareceu um amplificador novo, traz, vamos experimentar”. Foi meio laboratório a gravação. Tanto que era para gravar em 1 mês e levamos 2. Gravando todo dia. Foi bem legal. Trabalhar com Rafael é massa. Ele tem a nossa idade. Ele viveu a década de 90 que nem eu. Ele se emocionou com o Hollywood Rock 96, igual a mim. Ele sabe o que eu estou falando. A gente é contemporâneo das mesmas coisas.

Vamos falar agora do seu lado cultural. Qual o seu filme favorito de Stanley Kubrick?

Pitty: Vários. Eu amo “O Iluminado”. Amo “Laranja Mecânica” também. Os dois estão pau a pau. Eu tenho o livro de “O Iluminado” também. Quando eu li eu fiquei mais apaixonada pelo filme.

Falando em livro e suas influências, qual o seu conto favorito de (Isaac) Asimov?

Pitty: Tem alguns que eu gosto. Tem um livro de contos que se chama “Os novos robôs”. E tem um também chamado “Eu robô”. Mas o “Os novos robôs”, não sei se é esse o nome, são vários contos onde ele enumera as leis da robótica, começa a contar do robô. Vocês já viram “O Homem Bicentenário”? Quando vi achei era um “blockbuster” qualquer com aquele idiota, mas o filme é legal. Não é o melhor filme do mundo, é meio bobo, sessão da tarde, mas só o fato de terem transformado um conto numa coisa lúdica, foi legal.

Por que Aldous Huxley, ou mais especificamente o livro “Admirável mundo novo”, influencia tanto o mundo rock? Você lançou o disco “Admirável chip novo”, tem a banda Soma aqui em Salvador e até o Iron Maiden tem o disco “Brave New World”. O que você acha disso?

Pitty: Não sei. Eu já vi outras obras também assim, não só no mundo rock, que são influenciadas. Eu acho que foi porque foi uma sacada tão foda dele. A resposta é essa, porque o livro é foda pra caralho. Porque o cara teve uma “visão”, tipo Nostradamus, filosófica, humana, da humanidade. Ele descobriu um dos segredos do universo.

O que você acha da proposta do BahiaRock?

Pitty: A proposta é perfeita. É difícil elogiar pessoas que estão na sua frente. Sempre soa meio “rasgação de seda”. Basta dizer que se eu não achasse uma parada bacana não estaria nem aqui falando com vocês. E que é isso mesmo, tem que fazer barulho mesmo. Mostrar para todo mundo que existem muitas bandas legais por aqui. Chega dessa história de cidade do Axé. Cidade do Axé o caralho! Chega de carregar essa vergonha nas costas.

Aposto que sempre fazem essa pergunta para você.

Pitty: Lá fora, todos os jornalistas de todos os estados perguntam sobre fazer rock na cidade do Axé. É sempre a primeira pergunta.

Você agora pode dizer: “acessem o BahiaRock e vejam que existe rock por lá”.

Pitty: Ótima resposta. Eles não entendem. Eu particularmente já vi, estou na cena há quase 10 anos, várias marés na cena da cidade. Eu peguei a época do Casablanca, que foi foda. Naquela época eu pensei, agora vai, e não foi. Não foi em um certo sentido. Mas a gente podia ter aproveitado muito melhor. Agora eu estou vendo uma coisa bacana acontecer de novo pro lado de cá. Tenho vontade que Salvador seja inserida no mapa.

Ramon Prates

Ramon Prates

Editor-Chefe e Web Master. Apaixonado por música, especialmente rock, e também por escrever, logo juntando as duas coisas resolvi dar minha contribuição para o rock baiano através do BahiaRock.

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